Mas foque no presente, pensou, nunca deixe a paixão deformar o momento, Charles Bukowski.
No quintal, grilos e cigarras cantavam para o céu limpo e estrelado do sertão paulista. No meu quarto escuro, os pensamentos perturbavam mais que que o barulho dos insetos. Eu tinha apenas 7 anos, mas não conseguia dormir porque ficava pensando na morte. Ficava pensando que a vida é uma tragédia de onde ninguém sai vivo.
“Qual a graça de existir se vamos morrer um dia?”
“Por que morremos?”
Sinceramente, não sei o quão comum é esse pequeno existencialismo infantil, mas confesso que era coisa que me assolava noite sim, noite não, futucando meus neurônios com mais intensidade que os ruídos noturnos do quintal. Eu e meu irmão dividíamos o quarto e uma beliche, mas não as preocupações. Era comum que ele embalasse no sono logo ao deitar, enquanto eu me revirava nos lençóis pensando sobre algo que aconteceria comigo (na melhor das hipóteses) dali a 70 ou 80 anos para frente. Gastava minhas noites procurando soluções que minha cabeça infantil teria poucas chances de elucidar.
Vivia no futuro e o futuro me paralisava.
Pensar no futuro e sofrer pelo que poderia acontecer. Quanto tempo perdi nesse jogo mental? Se assistia uma reportagem sobre câncer, por exemplo, ficava com medo de desenvolver a doença e procurava caroços ou manchas na minha jovem e saudável pele. Anos depois, quando pude voar de avião, sofria como se a aeronave fosse cair com certeza e aqueles fossem meus últimos dias de vida. Muitas vezes optava por longas viagens de ônibus no lugar de práticos voos. E de que me valia esse sofrimento na vida prática? Afastava-me do presente real e me aproximava de um futuro fictício.
Me fazia lidar com problemas que eu deveria enfrentar apenas quando (e se) acontecessem. O mundo pode ser um lugar adverso cheio de desafios, mas nunca devemos esquecer que um dos principais desafios do mundo é domar os pensamentos e a ansiedade que levamos em nossas mentes. Já existem problemas demais no universo para que nos demos ao luxo de inventar outros tantos.
Livros de filosofia, terapia e yoga serviram de âncora para que minha mente aprendesse a se firmar no presente. Os cabelos, que embranquecem com o passar dos dias, também ajudaram. A ansiedade pode ser ferramenta útil para o homem se preparar para a adversidade, mas perde qualquer utilidade quando nos serve como uma falsa rede de proteção onde imaginamos a possibilidade de sermos onipotentes, onipresentes ou oniscientes. Gostaria de me encontrar com o jovem Fred Di Giacomo, 7 ingênuos anos de idade, na solidão de seu quarto e acalmá-lo com uma verdade seca: “Ninguém pode controlar todas possibilidades do futuro. Contente-se com sua pequenez. Felicite-se pelo que é real.”
“Tudo é vaidade”. E como é difícil que a gente aceite que somos comuns, pequenos e frágeis e que, por mais que nos esforcemos, não teremos segurança completa jamais na existência. Isso pode ser assustador no princípio, mas é libertador com o tempo.
Andar de avião ou pegar no sono ficou mais fácil quando abri mão de controlar o incontrolável e passei a buscar viver mais no presente. Em sua palestra “A felicidade desesperadamente”, o filósofo André Comte-Sponville trata dessa questão de forma inspirada. Ele defende que somos felizes quando focamos no que “queremos” e não no que “esperamos”. E qual a diferença? Para ele “queremos” coisas que dependem de nós, que são realizáveis e que se conectam ao presente e “esperamos” coisas que não dependem de nós e que se conectam ao futuro.
É uma visão realista da felicidade onde a “esperança” acaba sendo uma grande angústia porque foca numa felicidade que “virá” e não numa felicidade que “é”. Por isso Sponville diz que o desespero (no sentido literal, de não possuir esperanças) é um caminho para a felicidade. Estamos alegres quando o momento presente nos basta.
Não confundam essa filosofia de vida com o conformismo. É, sim, uma valorização do querer, do agir e do amar em detrimento do esperar. Pode esperar-se que faça um bom tempo ou que um meteoro não arrebente a Terra, mas para as demais questões práticas vale o “quem sabe faz a hora não espera acontecer”.
Sponville mesmo se envolveu com política ao longo de sua vida e julga que essa forma prática e realista de viver também é a melhor forma de mudar o que está errado no mundo. Enxergamos o que existe de bom no presente e nos felicitamos com isso. Da mesma forma enxergamos o que está ruim e o que podemos fazer de fato para mudar. Tomamos medidas realistas e aceitamos o que escapa de nossas forças.
E, se é para fantasiar, fantasiarei o passado e não o futuro. Fantasiarei o filósofo francês assassinando as angústias do jovem caipira do começo deste texto com as palavras capazes de acabar com a insônia infantil, ancorando-o ao presente e ao que o mundo oferece para ser desfrutado:
“A felicidade não é um absoluto, é um processo, um movimento, um equilíbrio, só que instável (…), uma vitória, só que frágil, sempre a ser defendida, sempre a ser continuada ou recomeçada. (…) Trata- se, na ordem teórica, de crer um pouco menos e de conhecer um pouco mais; na ordem prática, política ou ética, trata-se de esperar um pouco menos e de agir um pouco mais; enfim, na ordem afetiva ou espiritual, trata-se de esperar um pouco menos e amar um pouco mais.”, André Comte-Sponville.
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